terça-feira, 12 de julho de 2011

Semana de Arte Moderna de 1922

Di Cavalcanti, 1922. 
Em Catálogo da Exposição da Semana de Arte Moderna, São Paulo.

Segundo o pintor Di Cavalcanti, o evento seria “uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana”.

 Um pouco de História...

Nos primeiros anos do século XX, a cidade de São Paulo passava por um rápido processo de urbanização e industrialização. A chegada de um grande número de imigrantes, sobretudo italianos, teve grande importância nesse fenômeno, pois eles constituíam uma mão de obra barata e também consumiam produtos que até então eram importados da Europa. A população aumentou, a cidade se modernizou e ficou mais agitada: automóveis, bondes elétricos, luzes, apitos de fábricas formavam um novo cenário. Assim, a capital paulista acabou assumindo o papel de centro econômico e cultural do país.

Praça da Sé, anos 1920. 
Reprodução: Site do Governo do Estado de São Paulo

O capital dos grandes produtores de café e dos industriais proporcionava a uma pequena parte da população uma vida de luxo, assistindo às óperas estrangeiras e usando roupas europeias. Por outro lado, os imigrantes, que vieram para trabalhar nas lavouras de café e nas fábricas, depararam-se com uma rotina extenuante de trabalho em troca de salários miseráveis. Isso acabou gerando um sentimento de revolta e uma necessidade de mudança que culminaram com a Greve Geral de 1917. Outros segmentos da sociedade, como comerciantes, pequenos proprietários de terras, profissionais liberais e até militares também estavam insatisfeitos com aquela situação.


Embora a cidade vivesse num ritmo frenético, com mudanças ocorrendo a todo momento, a arte desse período ainda era extremamente tradicionalista e academicista. Na literatura, por exemplo, os poetas parnasianos ainda repetiam modelos do século anterior. No entanto, os movimentos de vanguarda como Cubismo e Expressionismo estavam em evidência na Europa e já influenciavam alguns artistas brasileiros. Sendo assim, surgiu a necessidade de acertar o passo da cultura paulistana. Além disso, era preciso encontrar uma identidade para a arte brasileira. Então um grupo de amigos planejou um evento que atingisse esses objetivos.

 ( Reminiscências/Acervo Iconographia)
Organizadores da Semana de 22: Oswald de Andrade (no centro, sobre o tapete); atrás dele, nas poltronas (da esq. para dir.): Rubens Borba de Moraes, Luís Aranha e Tácito de Almeida; de pé, na fileira de trás: Couto de Barros, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Cândido Mota Filho, Sampaio Vidal, Paulo Prado, Graça Aranha, Manuel Vilaboim e Godofredo da Silva Telles; mais atrás: Francesco Pettinati, Flamínio Ferreira e René Thiolier,

 Um pouco antes da semana...

A Semana de 22 é considerada o marco inicial do Modernismo Brasileiro, mas isso não significa que antes disso não os modernistas, naquele momento denominados futuristas, só começaram a produzir naquele ano. Vários acontecimentos já demonstravam a insatisfação de alguns artistas com a arte brasileira daquele período.

1912 - Após regressar de uma viagem à Europa, Oswald passa a divulgar, por meio de jornais paulistas, as novas correntes estéticas europeias, sobretudo, o Futurismo.

1913 - Lasar Segall, pintor lituano, realizou uma exposição expressionista.

1914 - Após retornar da Europa, Anita Malfatti mostra influências modernistas em sua primeira exposição que não conseguiu grande repercussão na época.

1917 – A jovem pintora Anita Malfatti apresentou em uma exposição várias obras com forte influência expressionista. A artista foi duramente criticada por Monteiro Lobato, em um artigo intitulado “Paranoia ou mistificação?” no qual o escritor faz críticas extremamente negativas à artista e aos movimentos de vanguarda europeia que, segundo ele não passam de um modismo.

O homem amarelo. 1915-16. óleo s/ tela (61x51). Col. Mário de Andrade, 
Instituto de Estudos Brasileiros da USP, SP.

1919 - Manuel Bandeira publica seu primeiro livro de poemas com versos livres Carnaval.

1920 – Oswald e Mario de Andrade conhecem o escultor Victor Brecheret e descobrem suas esculturas impregnadas de modernidade.

Enfim a Semana...

A Semana de Arte Moderna aconteceu nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 ano em que se comemorava o centenário da Independência do Brasil. Entre os idealizadores estavam Di Cavalcanti, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Menotti  del Picchia, Anita Malfatti e Villa-Lobos. O local escolhido foi o Teatro Municipal de São Paulo. A proposta era mostrar as novidades da escultura, pintura, arquitetura, música e literatura nacionais por meio de conferências, recitais, exposições, leituras etc... Ironicamente, para a realização do evento os idealizadores contaram com o apoio financeiro de produtores e exportadores de café, como Paulo Prado.

 Teatro Municipal, c. 1920.
Crédito: Guilherme Gaensly

Na primeira noite, Graça Aranha realizou fez uma conferência com o título de “A Emoção Estética na Arte Moderna”. Mais tarde Ronald de Carvalho proferiu a conferência “A Pintura e a Escultura Moderna no Brasil”. Em seguida, Oswald recitou um poema de sua própria autoria e Mário de Andrade fez um discurso sobre estética. A plateia reagiu com vaias intensas.

Na segunda noite, o pianista Guiomar Novaes foi bem recebido pelo público ao executar alguns clássicos respeitados. Em seguida, Menottil del Picchia fez uma conferência sobre estética e arte. Logo depois,  ocorreu o ponto alto da Semana quando Ronald de Carvalho recitou o poema de Manuel Bandeira, que não pudera ir ao evento por problemas de saúde, “Os sapos” ridicularizando os parnasianos.

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
'- Meu pai foi à guerra
- Não foi! - Foi! - Não foi!' O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado
Diz: - 'Meu cancioneiro
É bem martelado.'

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento  sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhe dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma. Clame a sapataria
Em críticas céticas:
'Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...'

Brada de um assomo
O sapo-tanoeiro:
'A grande arte é como 
Lavor de Joalheiro'

Urra o sapo-boi:
'- Meu pai foi rei - Foi!
- Não foi! - Foi! - não foi!'

(...)
Lá, fugindo ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio.



O sapo-tanoeiro representa o poeta parnasiano que se preocupava exageradamente com a forma e faz uma referência ao poema “Profissão de fé”, de Olavo Bilac, o maior representante no Parnasianismo, em que o trabalho do poeta é comparado ao do ourives. E o sapo-cururu representa os poetas modernistas que não desfrutavam do prestígio dos parnasianos. O público reagiu com gritos e vaias intensas, ainda assim, Ronald continuou a leitura do poema.

 Em O Estado de S. Paulo, 16/2/1922.

Na terceira noite, dedicada exclusivamente à música, Heitor Villa-Lobos se apresentou de casaca e chinelos, o público imaginou tratar-se de mais um extravagância dos modernistas e vaiou o músico, mas, na verdade, ele apareceu daquela maneira porque havia torcido o pé. O público era menor que o das apresentações anteriores e foi uma noite tranquila.

De maneira geral, as manifestações chocaram a plateia, constituída por burgueses que eram extremamente criticados pelos modernistas, o que ajudou a difundir as novas ideias em âmbito nacional que continuaram a ser divulgadas por meio de manifestos e revistas e conseguiram muitos adeptos conforme veremos na próxima aula.

Para saber mais sobre a Semana de 22, visite os links a seguir:



A minissérie Um só coração, exibida pela Rede Globo em 2004, com o roteiro de Maria Adelaide do Moral, retrata a cidade de São Paulo no início do século XX. Importantes fatos históricos foram mostrados com a Semana de Arte Moderna. Assista ao vídeo com trechos dos artistas que participaram da Semana. 



Considerando os que foi abordado nesta aula, redija um texto sobre a importância da Semana de Arte Moderna para a arte brasileira. 

Um abraço!

Professora Luciana